Aqui, você encontrará uma seleção de três obras essenciais que refletem o conhecimento e engajamento de Fátima Oliveira em questões fundamentais da nossa sociedade. Descubra “Saúde da População Negra”, que aborda desafios e equidade na área da saúde. Em seguida, embarque em “A Hora do Angelus”, um romance que aborda os subterrâneos da igreja. Por fim, “Reencontros na Travessia” oferece contos reflexões inspiradoras sobre gênero, raça, religião e classe social. Aproveite essas leituras profundas e transformadoras para expandir seus horizontes e promover a igualdade.
Saúde da População Negra
“Saúde da População Negra – Brasil, Ano 2001 resulta de uma consultoria realizada por Fátima Oliveira para a opas – Brasil no rol das contribuições da opas à preparatória da III Conferência Mundial da ONU contra o Racismo.
O trabalho desenvolvido pela consultora consistiu em uma sistematização do estado da arte do campo Saúde da População Negra no Brasil, incluindo dados científicos, históricos e políticos, com o objetivo de obtenção de uma visão panorâmica do assunto. Saúde da População Negra – Brasil, Ano 2001 resulta, como afirma a autora, em uma “colcha de retalhos” tecida a muitas mãos, do ponto de vista da história e da elaboração teórica, pois a maioria das contribuições científicas aparecem aqui com voz própria. Isto é, houve definição à política de, na medida do possível, não reelaborar o pensamento original, ou analisar com “outras palavras” os resultados de estudos já publicados, mas de transcrever na íntegra trechos e artigos considerados publicações relevantes, objetivando conferirlhes a visibilidade que merecem, afim de que cumpram o papel político que lhes é intrínseco: ampliar a compreensão da relevância das singularidades pertinentes à saúde da população negra e da necessidade de aportar às políticas de saúde e ao cotidiano da assistência à saúde tais saberes.
Em Saúde da População Negra – Brasil, Ano 2001 encontraremos embasamentos filosóficos, científicos, históricos, políticos e éticos que possibilitam uma compreensão ampla e multidisciplinar da temática, além da proposta “Política Nacional de Saúde da População Negra: uma questão de eqüidade”, documento de subsídios para o debate da questão, também elaborado, sob os auspícios da opas – Brasil, por muitas pessoas ativistas e profissionais de saúde que há anos dedicam parte substancial de suas vidas à construção do campo Saúde da População Negra no Brasil.”
Apresentação do livro “Saúde da População Negra” de Fátima Oliveira
A Hora do Angelus
Amores, abortos e abandonos nos subterrâneos da Igreja
“Este romance, que não é autobiográfico e nem é a história de vida de qualquer pessoa, aborda vivências de muita gente e tem como alicerce fatos ocorridos que desviaram o curso de vida autônomo e libertário que, sobretudo, muitas mulheres sonharam e traçaram para si. Inúmeras mulheres, freiras, padres e outras autoridades eclesiásticas perceberão parte de suas histórias de vida narradas aqui. Não sem razão. É uma história que acontece com mais freqüência do que se pensa.
Ainda que o roteiro que estrutura a história seja uma imaginação da autora, o relato está entremeado de reflexões pontuais sobre omissões do clero romano diante do assédio e do abuso sexual, assim como da pedofilia – milenarmente praticados por padres. É uma narrativa crua de como padres se desvencilham das gravidezes indesejadas de autoria de seus espermatozóides e de como a Igreja permite que a prole indesejada de seus integrantes seja renegada e abandonada.
A hora do Angelus é uma história de amores, prazeres, ódios, alegrias e tristezas que cotidianamente se desenrola em diferentes lugares do mundo, mas em geral o palco de tais realidades são os históricos e públicos “abatedouros dos padres”: conventos, seminários, casas paroquiais e palácios episcopais.
Acompanharemos mais de três décadas da vida de uma mulher, narrada pela protagonista, da adolescência, à maturidade, nas quais ela viveu momentos de ternura, paixão, ambigüidades e desilusões, mas também desfrutou dos prazeres da entrega absoluta aos seus amores, tendo como parceiros principais três sacerdotes católicos – homens sobre os quais é possível dizer que eram sacerdotes por vocação, mas que por liberdade de consciência não abriram mão de amar uma mulher e tiveram a coragem de vivenciar seus amores, ainda que nos limites de alguma clandestinidade.
Espero que a leitura, além de indignação, reacenda solidariedade para com as mulheres imoladas sexualmente em nome de Deus e para com as mulheres e os homens da Igreja que, privados do direito ao exercício da sexualidade e do direito ao prazer interpessoal sem culpa, por tabela, têm também os seus direitos reprodutivos aviltados, resultando, em geral, na usurpação da vivência da paternidade e na compulsoriedade da maternidade. Tudo com vistas à manutenção da farsa da castidade e do celibato forçados. Mas, sobretudo, desejo que a leitura desperte também a sensação de que, em alguns momentos, você está em um Parque de Diversões. Tenha muito prazer.”
Préfacio de “A Hora do Angelus” de Fátima Oliveira
Reportagem sobre o livro: Folha de São Paulo – Ilustrada
Reencontros na Travessia:
a tradição das carpideiras
“Na história dos grupos socioculturais, existem diferentes maneiras de conceber, receber e realizar a travessia que se dá com a morte. O último dos rituais de passagem continua sendo realizado e pensado como um mistério. Algo que a inteligência humana tem dificuldade em compreender e aceitar. Aquilo sobre o qual não temos certezas obtidas por demonstrações científicas, apenas especulações. Em razão disso, a morte continua sendo um grande enigma para os seres humanos. Sua aproximação é sempre temida e, dificilmente, seu acontecimento se dá sem choros e lamentações.
Sempre que nos referimos à nossa própria morte no seio de nossas famílias, logo escutamos algum tipo de enunciado que interdita o assunto, como se estivéssemos tratando de algo demasiadamente sinistro e pavoroso. Entre o povo mais simples, as expressões mais ouvidas são: “Vira essa boca pra lá!”; “Deus te livre e guarde!”; “Pare de falar bobagem!”; “Vamos mudar de assunto!”. Tais enunciados demonstram o pavor da morte. São evocados como se o fato de evitar abordar o assunto pudesse afastar o seu acontecimento. (…)
Nesse sentido, “Reencontros na travessia: a tradição das carpideiras” é um romance cuja trama acontece no contexto de rituais fúnebres protagonizados por mulheres de um determinado lugar no sertão do Maranhão, cujo nome fictício é Grotões dos Bezerras. Segundo informa a própria autora, no primeiro capítulo, a etimologia da palavra carpideira é uma derivação do verbo latim carpere, que significa “arrancar cabelos e barbas em sinal de dor”. Não se trata de um choro falso, mas de um dom. O romance conta uma história de amor, com seus encontros, reencontros e desencontros, que começa com o enterro da matriarca das carpideiras, que é tia da Dra. Cássia Almeida de Freitas, a responsável pelas narrativas sobre a vida das carpideiras. Advogada de formação, Dra. Cássia tornou-se famosa por meio das artes plásticas. O seu retorno à terra natal, Grotões dos Bezerras, deu-se em razão da doença de sua tia Lali, mãe vitalícia das carpideiras. (…)
A relação que o romance estabelece entre a arte de partejar e a sociabilidade do grupo pode ser identificada em vários lugarejos do Nordeste, onde a parteira é de fato uma senhora considerada por todos como detentora de poderes mágicoreligiosos. Ao acompanhar a realização de um parto natural, Cacá consegue entender por que as mulheres dizem que ter filhos com parteira é “diferente”. Em uma linguagem mais afeta ao Sistema Único de Saúde do Brasil, diríamos que se trata de um parto humanizado. A autora do romance é médica, não quis incomodar colegas de profissão que não respeitam a arte de partejar fora dos cursos de obstetrícia. No entanto, construiu a personagem de Lidiana, uma ginecologista e obstetra que afirma haver aprendido muito com as parteiras. Com essa informação, a autora contribui para a desconstrução de idéias preconceituosas com relação à arte de partejar, fora dos muros das faculdades de Medicina.
Fátima Oliveira estabelece uma relação entre dois rituais de passagens fundamentais na história da humanidade: o nascimento e a morte. Tanto no nascimento quanto na morte, o sentido da luz comparece em uma perspectiva mágicoreligiosa, como aporte necessário à boa travessia seja para o mundo dos vivos, seja para o mundo dos mortos. No primeiro ritual, as carpideiras participam dos trabalhos com as mãos; no segundo, por meio da oração. Nesse sentido, estão atuando nos dois rituais, mas não somente, pois articulam e organizam também a inserção das jovens na vida social, pelo ensino da culinária, corte e costura e do artesanato. Com as belas bonecas e os chinelos de panos que Brígida faz e ensina a fazer nas oficinas organizadas por Dra. Cássia, elas completam um círculo de saberes importantes para a vida social. Além disso, elas também são responsáveis pela realização de mais um casamento de Cássia Almeida de Freitas em alto estilo: o que não deixa de ser um outro ritual de passagem. (…)”
Trecho da introdução de “Reencontros na Travessia: a tradição das carpideiras” escrito por Erisvaldo Pereira dos Santos, doutor em educação, chefe do departamento de educação da Úniversidade Federal de Ouro Preto (UFOP).